DIREITO À HERANÇA PELOS FILHOS.
Muito se fala sobre o direito de herança e garantia de recebimento desta pelos filhos (descendentes), que são os herdeiros necessários mais conhecidos, à frente dos ascendentes e do cônjuge. Contudo, o direito de herança esbarra na faculdade de livre disposição sobre os bens que cada indivíduo possui.
O Código Civil determina em seu art. 1.789 que apenas é possível dispor livremente de todo seu patrimônio em termos de sucessão (doação, elaboração de testamento etc) se não houver herdeiros necessários porque, caso existam, apenas é possível dispor de metade do patrimônio, pois a outra metade é necessariamente voltada aos necessários.
A pergunta que se faz é: os herdeiros necessários: filhos, pais ou cônjuges, sempre herdarão?
A resposta a esse questionamento perpassa por algumas nuances. Em princípio, sim, os herdeiros necessários têm garantido o recebimento de pelo menos 50% do patrimônio do falecido, a chamada legítima. Mas a legislação pátria trouxe hipóteses em que o herdeiro será excluído da linha sucessória, mesmo estando ele no rol de herdeiros necessários.
A primeira hipótese de exclusão é o caso de indignidade, observado quando o herdeiro ou legatário está envolvido em homicídio doloso ou tentativa deste, em crime de calúnia ou outro contra a honra do titular da herança ou seu cônjuge, companheiro, filhos, netos, pais e avós, ou ainda se estiver criando entraves, com violência ou fraude, para que o autor da herança disponha de seus bens como desejar. Portanto, neste caso são protegidos a integridade física, psicológica e a honra do autor da herança e seus familiares próximos.
É o que trata o art. 1.814 do Código Civil:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade
Para esta hipótese, deve o judiciário ser instado em até 4 anos da abertura da sucessão (falecimento do autor da herança) pelo Ministério Público ou demais interessados. A sentença que declara a indignidade e determina a exclusão atinge apenas a pessoa, que passa a figurar na sucessão como se falecida estivesse, assim sucedendo em seus direitos originais os descendentes.
Por exemplo, o falecido possuía apenas dois filhos como herdeiros, um deles foi considerado indigno por força de sentença, então herdarão apenas o filho digno em 50% e os eventuais herdeiros do filho indigno nos outros 50%.
Há ainda que se destacar que o processo judicial de exclusão por indignidade não depende de prévia condenação do herdeiro ou legatário em ação penal e ainda pode ser revertida quando o autor da herança pessoalmente inclui o indigno em seu testamento ou outro ato posterior à sentença condenatória.
É possível também a deserdação dos descendentes ou ascendentes pelo titular da herança em casos de ofensa física, injúria grave, traição com cônjuge ou companheiro do autor da herança e quando há desemparo ao autor da herança em caso de alienação mental ou doença grave. Estas hipóteses podem ser contempladas em testamento pelo autor da herança, sem necessidade de declaração por sentença judicial.
São as previsões contidas nos arts.. 1962 e 1963 do Código Civil:
Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave; Para
III – relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV – desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
Caso o herdeiro deserdado não concorde com a disposição, poderá questioná-la através de processo judicial próprio no prazo de 4 anos da abertura do testamento, quando deverá provar que as hipóteses legais não são verdadeiras, já que o rol é taxativo e não admite interpretação extensiva.
O que o Código Civil pretendia ao garantir tais possibilidades de exclusão/deserdação foi fornecer ao Autor da herança maior proteção e manejo em relação aos seus herdeiros necessários, impondo maior dignidade para as relações e segurança jurídica. O ponto de certeza é: para todas as hipóteses de exclusão ou deserdação deve existir prova contundente a fim de evitar ofensa ao direito de herança, que é direito constitucional de todo cidadão.
Mariana Stolze
Advogada do Camardelli e da Costa Tourinho Advocacia
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